terça-feira, 2 de março de 2010

Noir

Ele era meio velho, meio vivo. Entrou, debaixo de chuva forte, em um pub com letreiros de neon azul. Neon falho, claro. A vida era preto e branco, e era cheia de fumaça de cigarro. Ele se sentou no balcão e pediu um cowboy. Pela cara, julgou o garçom, o homem ali seria encrenca.

Num canto, em uma mesa redonda, com seu charuto na boca, olhando diretamente para o homem no balcão, estava Quentin Tarantino, em seu novo terno de risca de giz, barba por fazer, cheio de ódio e sedento de sangue.

A dama de vermelho entrou. Tudo nela contrastava com o ambiente. Seus cabelos, seus lábios e seu vestido. Até suas jóias eram vermelhas. O homem no balcão teve de acender um cigarro em sua homenagem. Era um Charm, mas era um cigarro.

Para o Quentim, cheio de fúria, apenas um olhar do malandro ali no balcão em sua ruiva foi o suficiente para partir para o ataque. Ele sacou uma tommy gun, dos anos 50, e saraivou de balas tudo que estava a sua direita, enquanto ia apontando a arma para seu mais novo inimigo, e nunca conhecido.

O homem no balcão pulou, ainda com o copo de uisque nas mãos, por entre as mesas, sacando sua 9mm de estimação. Não esperava ter que usa-la ali, naquele dia. O garçom sacou uma 12 e disparou contra Tarantino, sem perceber que as balas  alcançariam antes que disparasse. Ele voou entre as garrafas de Johnny Walker e Jack Daniels, de braços abertos, referência a Jesus. Amém. Um homem estava morto.

Detrás da mesa de sinuca o homem começou a disparar contra Tarantino. E este derrubou sua mesa para formar uma barricada. Mesas só servem de barricadas em histórias assim. A mulher de vermelho, no entanto, continuava andando na direção de Tarantino, ignorando o fato de que ele estava atirando por ela, e porque o homem havia lhe olhado.

O homem acendeu outro Charm e viu que seu copo estava vazio. Correu, entre balas e corvos e sangue de outras pessoas, até o balcão. Se jogou do outro lado e procurou a garrafa de Black Label. Achou um Black & White. Tinha de servir. Bebeu do gargalo e disparou, sem olhar, para o lado de Tarantino. Acho que o homem talvez fosse Clive Owen. Seus olhos brilhavam enquanto atirava. Que seja, era Clive Owen, fumando Charm e bebendo Black&White no gargalo.

Em dado momento, não havia munição na tommy gun, e Tarantino disparou xingamentos em câmera lenta. A câmera lenta é a morte chegando em meio aos furos de bala. Clive joga a garrafa sobre Tarantino, e o acerta no nariz. Tarantino apalpa os bolsos. Será que teria um 22? Clive correu até Tarantino com uma outra garrafa partida ao meio. Era a forma de matá-lo.

Em seu percurso, sentiu o perfume da mulher de vermelho. Ela era uma Scarlett Johanson ruiva, lábios carnudos. Sentada num sofá de couro, apenas acompanhava o duelo, que ocorrera por ela. Clive amaldiçoou o tempo. E voltou-se para Tarantino.

Tarantino sorria, com seu 22 apontado para a cara de Clive. Era a hora. Clive sentiu o primeiro tiro pegar direto no peito esquerdo e enfiou com toda a força a garrafa na garganta de Tarantino, que disparou, no reflexo, mais duas vezes em Clive. Tiros certeiros, um no torax, um no abdome. Clive soltou a garrafa, pendendo ainda em Tarantino, e caiu ajoelhado, sangue jorrando da boca e nariz. Tinha sido perfurado no pulmão. Tarantino não teve coragem de tirar a garrafa, sentou-se na cadeira atrás dele, e mirou uma ultima vez em Clive. Clive acendeu um ultimo Charm e tossiu após uma tragada. Tarantino atirou mirando no meio da testa de Clive, mas acertou de raspão na sombrancelha esquerda. Ele estava morto, e a risca de giz do seu terno se encheu de um tom avermelhado forte. Sangue jorrava.

A polícia não ia chegar, e Clive ia morrer. Fumou o Charm. Era só esperar. Scarlett veio até ele e lhe deu o derradeiro beijo, com sabor de morte, mas puro. Ela saiu, sem piscar. Clive ficou ali, esperando que o demônio o levasse, ou que alguém o salvasse.

O letreiro azul se apagou. E a chuva não cessava naquele canto da cidade.

Um comentário:

E s t e r _ disse...

O letreiro azul se apagou. E a chuva não cessava naquele canto da cidade.

Tbm espero q alguém me salve ...