sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Afogar

Eu estou afundando em um rio escuro. Para o alto, um resquício de céu azul, agora amarelado, e para os pés a eterna e fria escuridão do rio.

Meus dedos começam a ficar enrrugados, meu corpo não tem equilíbrio, nem sustentação. Avisto uma forma semelhante a minha em meio à escuridão. Parece um tronco de árvore, ou apenas um pedaço de pau, tão desamparado e desengonçado quanto eu. Bolhas de oxigênio deixam minhas narinas e depois, minha boca.

Meus olhos tão arregalados de terror e serenidade não conseguem distinguir nada, e minha cabeça está plenamente vazia. Não há fundo nesse rio.

Seria essa a escuridão eterna da morte? Seria a insanidade dominando meu corpo? Seria o sonambulismo total? Estar dentro do seu próprio corpo sem controlá-lo?

Não há ar, e o frio empurra o corpo mais para baixo. Quando se chega a esse ponto, como se pode imaginar que há volta? Que esperança guarda uma pessoa que deixou-se afundar tanto?

Não pertenço ao mundo lá fora, ao céu azul e ao calor. Eu sou mais essa escuridão. Ela me completa e me faz bem, mesmo que me mate. E ao me matar, ela estará me levando de volta para o berço de meus ancestrais, nesses braços soturnos.

Ninguém vem buscar meu corpo. Ninguém vai reparar que eu sumi lá de cima. Eles não ousarão chegar aqui, e eu não vou tentar sair.

A pressão da água quebra meus ossos mais frágeis. Eu quero me encolher. Tento agarrar minhas pernas e então, como uma pedra, finalmente chego ao fundo.

Lá, sinto a terra macia, sinto as plantas e formas de vida que não conheço roçando meu corpo. Se eu tentasse sair, eles me impediriam. Mesmo olhando para o céu, não consigo ver mais o amarelado do céu.

E que assim se passe a eternidade, até que eu desperte novamente.

Um comentário:

E s t e r _ disse...

"Eu sou mais essa escuridão. Ela me completa e me faz bem, mesmo que me mate." ... sem mais.