quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Enquanto a Menina Passava

Enquanto a menina passava, no auge de seus 15 anos, com seu corpo esguio e sensual, misturado à sua inocência juvenil, com seu vestidinho curto e simples, um velho a observava da barbearia onde se sentava todas as manhãs.

O pobre velho desconhecia o motivo pelo qual observava a menina passar, ele apenas observava quando ela ia, com dinheiro na mão fina e pequenina, e voltava com uma sacolinha de pão, que balançava, enquanto fazia movimentos, que ao olhar do velho, pareciam passos de uma dança diferente.

O velho já era peça antiga da barbearia, beirava os 80 e era viúvo sabe-se lá de quantos anos. Esse velho já tinha teias de aranha na cabeça, seu corpo magro é enrrugado era um cupinzeiro já abandonado por seus habitantes, e ele não sentia o tato em uma das mãos. Dentes já não tinha na boca, apenas na penteadeira que outrora pertencera à mulher com quem se casou, cuja lembrança, por mais que a amasse, era apenas um reflexo de tempos esquecidos... de pó.

E seus olhos quase cegos a muito não viam tal beleza jovial, a pele morena, o sorriso branco, algo que não identificava em mais ninguém... Na verdade, o velho já havia, de fato, tornado-se um objeto da barbearia, e havia sido esquecido por todos. Era comose fosse invisível, e isso antes chegava a incomodar, agora nem fazia muito sentido, dentro de sua cabeça senil. Não fora um velho de grandes feitos, nunca foi significativo, e quando, agora, pensava sobre essas coisas que se foram, ele se indagava sobre o valor que tinham, se tinham algum valor. E a menina passava...

Ele se sentava toda manhã, e o único pseudo-ser humano que o via, e que era seu amigo, era o dono da barbearia. Um velho quase tão esquecido por todos quanto o velho dono dessa história.

O barbeiro sentava-se ao lado do velho, e este, mais "vivo", olhava com safadezas para as meninas que cruzavam as calçadas, arriscando alguma cantada infame, enquanto cutucava no velho, silencioso em sua meditação, e coçava o saco, num gesto nojento, mas desesperador, de um homem que perdeu o que talvez para ele, fosse o motivo de orgulho da vida toda.

Ela passava de manhã, rodeada de crianças, enquanto ia comprar pão, e sorria de forma bela, e o velho olhava aquilo com olhos de um bebê, quase um devaneio, e perdido, ele roçava os dedos na barba do queixo, e continuava a olhar, sem pensar exatamente em algo, mas pensando na menina. Então ela voltava, e continuava sorrindo e brincando, e as crianças lhe puxavam o vestido, e ela dizia "pára, muleque", e o velho sentia um rubor, como se fosse ele o censurado.

O pobre velho, então, começou a despertar de seu eterno transe, e começou a reconhecer o lugar onde estava, e observava a menina passar,mas com muito mais afinco. E ele começou a repara na graciosidade das pernas da menina, pernas finas e morenas, que pareciam suaves, de longe, da sua vista embaçada. O velho procurava os olhos da menina, delirava quando ela mexia o corpo, enquanto andava, e quando acariciava opescoço com um movimento suave, descendo a mão até o ombro.

O velho gritava por dentro,e ninguém podia censura-lo por estar se sentindo daquele jeito. Ele parecia estar encontrando um motivo pra ser gente de novo, quem sabe viver de novo, com quase 80 anos, que seja! A vida parecia recomeçar seu ciclo!!! O velho começou a olhar com um rosto mais vivo pra menina, que passava distraída.

E o tempo passava, e a garota revelava mais e mais formas, e o velho a olhava como se olha uma santa, uma deusa,e talvez, para ele,ela fosse mesmo uma deusa... então choveu naquela terra árida onde viviam, e o velho pensou que aquele seria o mais longo dia de sua vida, esperando a menina passar. No meio da chuva sem trovões, chuva quente, ele viu, pela vidraça da barbearia, a menina brincando com as crianças, e então ele viu, deslumbrado, o corpo da menina, quase nu, de calcinha apenas, pois os seios não estavam desenvolvidos a ponto de necessitarem de sutiã, ela tinha os mamilos duros, que tentavam rasgar aquele vestidinho. Seu cabelo preto deslizava pelas costas úmidas, e ovelho se derreteu, de olhos fechados, enquanto imaginava a pele arrepiada pela chuva, e ao mesmo tempo quente, sensível ao toque.

Quando o velho deu por si, estava caminhando no rumo da menina, na chuva, e nem poderíamos dizer que estava louco, ou que sentia algo da chuva. O velho estava anestesiado, entorpecido pela paixão. Mas caiu, caiu devagar, caiu como uma árvore gigante, e sentiu o peso do mundo nos ossos trêmulos. Caiu, pensou, pra não levantar jamais. E quando voltou os olhos para o céu escuro, viu os olhos da menina olhando nos dele. Os olhos dela eram negros como os cabelos, mas ele já sabia, ele sabia tudo! Só lamentou ter acariciado o rosto da menina com a mão que não tinha tato, e desmaiou...

Houve dias em que dias se completavam, uns dentro de outros, enquanto a febre sugava o velho, enfermo. Onde estava, não se explicava, mas sabia que não era seu lar. quando acordou, sentiu o aroma do chá, aroma forte, doce, um aroma reconfortante. Sentia frio e dores de cabeça, e uma tremenda dor no joelho, que, imaginava ele, devia estar despedaçado.

Quimeras se trasmutavam diante de seu olhar nublado, e aos poucos, reconheceu nas paredes um conforto descontente, por estar ali por acaso, ou por ironia do destino. E irônico é o destino, e o foi quando da porta encostada, surgiu a figura que o velho tanto procurou, tanto desejou, com uma xícara e trazendo às costas o perfume do chá.

A menina o observava estática, pareci temer aquela velha face amssada e afetada de forma tão cruel pelo tempo. E o velho, sentia aquela velha censura de quando observava a menina de longe. Seu rosto não corou, talvez lhe faltasse o sangue nas faces a essa hora, mas ele não se sentia confortável, de qualquer maneira. Ergueu o velho tronco, apoiado pelos finos e trêmulos braços. Ele a encarou, cordialmente.

Ela desviou o olha, e entregou a xícara a ele. Ele limitou-se ao "obrigado", e sorveu o chá quente. Recuperou algo do ânimo, sentia-se mais plástico e condicionado, mas ainda sentia o joelho doer. A menina permanecia a seu lado, calada, e observando curiosa e discretamente, aos modos do velho. Então o velho resolveu-se, por estar ali de hóspede, e perguntou: "essa é a sua casa?". "é", foi o que ouviu, e outra voz disse: "Ana!", e a menina saiu correndo.

Ana... Ana... o velho fechou os olhos para recordar-se da chuva, do corpo molhado e semi-nu de quinze anos, que o fez correr quando suas pernas não conseguiam andar, que fez seu sangue morno ferver e fez o coração bombear com força, encher os pulmões e o fez esqueçer que beirava oitenta. A idade agora, lhe parecia generosa, e ele sentia ter vinte anos nas costas. Mera ilusão, bem sabia, mas não pôde evitar.

Surpresa seria seu corpo sentir a excitação da mente, mas isso, ele estava ciente também, não mais ocorreria. Então prostrou-se, de olhos fechados, com a xícara de chá na mão: "Ana... porque me faz correr!?". E quando reabriu os olhos, viu a menina à sua frente, com o bue de chá nas mãos. era engraçado, e ela tinha um sorriso terno no rosto. Era engraçado, e triste ao mesmo tempo.

O velho se contorceu todo! Queria ter a perna boa pra sair correndo, ou então coragem pra dizer "esqueça, sou um velho gagá", mas não havia modo de esconder que revelara seu segredo. Ela o observava impassível, e se aproximou, sentando em uma cadeira ao lado da cama. Ela usava o vestido, aquele vestido rasgado na perna, perna suave, perna que enlouquecia o velho. Ele imaginou se ela sabia o que ele pensava, imaginou se procurava fazer com que ele se sentisse assim. e ela, toda pomposa, mostrava a perna descoberta e lisa, com ares de princesa, com uma bela postura, com o cabelo radiante posto de lado, e colocando chá na xícara.

O velho sentia as gengivas mastigarem a língua, dedos sem tato se moviam, velho hábito, coçando uns aos outros. Ela estava o provocando! Ana! Ana o estava provocando,e sabia que o velho vibrava por dentro, tal qual um tigre trancado a 50 anos numa jaula, mas que nunca perdeu o olhar de fera, o olhar da liberdade. E o silêncio foi rompido.

"O senhor sempre me via indo comprar pão. acaso queria saber meu nome? É Ana, como o senhor ouviu..."

O velho se viu adolescente, sem saber como explicar a expiação. Ouviu-se dizer "hmgf", e ouviu dela um riso de criança, mas que não era mais criança. E a perna! A perna estava ali, e lhe comia vivo, o fazia suar! O fazia sussurrar!! A perna!!!

"pode toca-la" "..."

O velho viu neve, o velho viu dos céus descerem as nuvens, viu a si mesmo voando, jovem, viu a si mesmo amando como um animal, viu a si mesmo transformando-se em sabe-se lá o quÊ. Não podia ter ouvido, não podia, de forma alguma! Poderia tocar a perna??? Ana pegou sua mão sem tato, e como ela não imaginava que fosse assim, pousou-a sob a coxa, fria, imóvel. O velho tinha febres... como explicar? Como o destino poderia lhe ser tão cruel??? a mão rouxa, pousada soba aquilo que ele mais queria tocar, sentir na ponta dos dedos a pele se arrepiar.

Pena. Teve de contentar-se com a mão frouxa, que a menina removeu da perna, e passou vagarosamente pelas maças do próprio rosto. Como o que o velho quis fazer no dia da chuva. Ela não sabia, e aquilo o fazia tremer! "sinta, mão, sinta!!!" Ana o observava sem piscar uma única vez! Onde foi parar tanta inocência? Quando ela se tornou aquela mulher tão erótica??? A voz exterior chamou por Ana novamente, e Ana cuidadosamente pousou a mão frouxa do velho sob a barriga, e o deixou no quarto, sozinho!

De forma clara, o velho nunca sentiu tanto tesão, mesmo fisicamente! Aqueles gestos da menina, tão próximos, tão distantes, tão curiosos e sexuais, era tortura demais para o velho, que se derretia em suor e amor suplantado, o velho vivia algo que a vida não lhe dera enquanto jovem.
Mas o mais triste, ao olhar do velho, e isso o fez chorar, foi desejar e, mesmo teatralmente, se sentir desejado, ser ctivado, e naquela altura da vida, ainda cativar! Ele não suportaria mais que aquilo.

Mas tal é a vida, e o velho deixou de ser hóspede da casa de Ana, e retornou à barbearia. Retornou ao local onde consagrara-se objeto. E Ana continuou a passar, como se nada ali tivesse ouvido entre os dois. O velho não conformara-se nunca, e resolveu fantasiar que podia conquista-la. Detestava, porém, que o barbeiro fizesse gestos infames para Ana quando ela passava, e quando dizia "essa gostosinha, ah, se eu pegasse ela!". Mas no íntimo, o velho também pensava na perna de Ana.

No Natal, a cidadezinha se enchia de luzes pras festanças, e barracas de doce e cachaça inundavam a praça. O velho passeava por entre as barracas, e agradava as crianças, e comprava-lhes doces, e peões, iô-iôs e bolas de borracha. Netos que nunca teve. Mas aquele dia lhe parecia melhor que os outros, e ele resolveu se dar ao luxo de tomar uma dose de cachaça. Babeu com gosto, arrepoiu-se, sentiu-se moço, e cantarolou as músicas da festa, e arriscou até dançar! O joelho lhe parecia renovado! E quasae 80, que era isso???

Então tomou outras doses de cachaça, e brincou mais com as crianças, e viu Ana, e... viu Ana?
Sim! Era Ana! E estava bela, com um vestido carmesim, fitinha na cabeça, tão simples e bela, tão surreal! Tomou coragem e foi falar com ela. "oi, Ana! Quer um algodão doce?". ana riu baixinho, e o velho sorriu, e tinha uma dentadura reluzente agora! "Maça do amor?" sugeriu a menina, com ares de criança, ares que agora o velho desconhecia. Ele, já ébrio, perguntou "cadê teus pais", e ela disse "estão na barraca", então ele pediu, com ares de quem implora "dê uma volta comigo, quero te conhecer melhor", ao que ela respondeu "me dê um presente, faço 16 anos hoje!"

O velho vibrava de paixão e ousadia, e comprou pra lea um colar de missangas, que, apesar de barato, era bonito, e era o melhor que poderia comprar naquelas barracas. Caminharam juntos por toda a praça, e ela segurou a mão frouxa do velho, e aquilo já lhe parecia algo infernal, uma brincadeira de mal gosto divina! "essa mão não tem tato, segura esta" E o velho sorria, mais alto do que costumava ser, e mais feliz do que jamais fora. Em dado momento, já não suportando o desejo, virou-se para Ana e pediu: "Ana, deixa eu te tocar de novo!"

Nunca o velho viu, na face da menina, uma cara mais assustada. Nunca o velho sentiu-se tão irracional. Mas nem tudo estava perdido, ele queria crer. "Ana, esqueçe o que pedi, sou um velho gagá!". O rosto de Ana aos poucos recuperou a confiança de antes. "Mas Ana, não deixe nunca de passar perto da barbearia! Você é o que me mantém vivo, e sem a tua miragem, eu não tenho motivo pra permanecer feliz!"

A noite seguiu, Ana se foi na multidão, e o velho voltou à barraca de cachaça, onde ficou, por bem.

Naquela noite, Ana levantara o vestido diante do velho, agora com os traços da face mais jovens, não tão marcado, não tão enrrugado, e ele beijou-lhe o umbigo e a barriga, e beijou-lhe o ventre sem pêlos. E as pernas! Lavou-se nas pernas, e via o rosto de Ana, orgulosa, mordiscando o lábio inferior! E ele sentiu a textura daqueles jovens seios, e sentiu todo o sabor do corpo de Ana, e tocou-lhe as nádegas, e beijou-as, e chegou à ousadia de morde-las, arrancando um gemido de Ana. Ele viu seu corpo erguer-se, e grudar-se ao de Ana, e el já não era mais um velho decrépito, mas um rapaz invejável, de corpo forte, esbelto, cujas costas Ana, de forma selvagem, cravou as unhas, enquanto seus corpos tornavam-se oleosos de prazer.

Essa noite foi a melhor noite dos sonhos do velho, da qual acordou no outro dia, numa cama molhada e vazia, numa casa empoeirada, sem grandes aconchegos. Entristeceu por um tempo, mas ergueu a cabeça, e lembrou-se de que Ana passaria ali perto da barbearia a qualquer momento pra ir comprar pão, e ele teria de estar lá, pra apreciar o show de desenvolturas dela, sua magnífica exibição de jovialidade, de sensualidade.

E assim o velho foi, cambaleando , até seu banco na porta da barbearia, onde sempre haveria de ir para ver Ana, até que a terra sugasse seus olhos sôfregos de amor por dar.

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