segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Curto

Bom, esse cara vivia sozinho num apartamento no centro, e em dias de chuva ele se sentava na sacada tomando café e contemplava seu pé de tomate, que fez brotar pequenos tomates que ele nem ia comer, mas que achava uma vitória da natureza.
Pois bem. O cara saía à noite com seus amigos estranhos e não encontrava muita alegria do lado de fora de casa. Nenhuma mulher o queria, mas ele achava compreensível, porque não se via atraente no espelho. Seu ultimo relacionamento fora uma decepção completa. Acredite, ele foi traído via internet, wireless, num café qualquer também no centro. Ela nem era bonita, mas se exibia em público pela webcam, e um colega do trabalho ligou pra ele avisando que viu uma garota mostrando os peitos tomando capuccino, e enviou o link do site de sacanagem em que ela apareceu. Era sua namorada secreta, mas talvez nem ela tivesse noção disso.
Por bem à sua sanidade, varou as portas de um sexy shop num beco qualquer e perguntou à punk do caixa se ele podia ver os modelos que a loja oferecia. A garota tinha olhos indiferentes, e não mostrou desprezo. Acho que já estava habituada com esses perdedores que entram atrás de uma boneca inflável como se elas fossem o ultimo suspiro de humanidade do mundo todo. A ruiva parecia muito falsa, a morena muito comum, mas a loira tinha uma pintinha a la Marilyn Monroe perto da boca com formato de O.
Bom, ele não conseguia encher ela direito, talvez por causa do sedentarismo, e teve de apelar para a bombinha de encher pneu de bicicleta. Aí sim conseguiu que ela ficasse firme. Beijou-a, abraçou-a e sentiu que aquilo era muito vergonhoso e surreal. Enfim, estava sozinho mesmo. Fizeram amor então com o seu melhor lençol, ouvindo uma coletânea de rock romântico. Fumou um cigarro e lhe ofereceu outro. Continuava muito doido. Quando decidiu dormir, ele tentou desligar o abajur ainda grudado nela. Aí, meu amigo, é que o absurdo tomou forma.
O choque apagou o rapaz, que acordou muito tarde no outro dia. Enquanto os móveis tomavam forma no quarto, ele viu uma loira linda se aproximando com um copo de suco, daqueles em pó, e com um baurú meio queimado. Ela sorria um sorriso doce como ele só havia visto nos filmes do tipo Diários de Uma Paixão ou Outono em Nova York. Corou, mas comeu tudo. Fazia tempo que não comia algo que prestasse. Ela lhe fez um carinho, e se jogou em cima dele, e fizeram amor como humanos fazem, não como ele, retardado, fizera na noite anterior com uma boneca sem vida. Então teve que sair pra trabalhar.
O dia era um clichê: céu azul, música em todo lugar, pessoas sorrindo. Ele também sorria, claro, pois um dia os fracassados têm que vencer.
Em casa, a boneca decidiu que podia ser muito útil e resolveu limpar tudo. Varreu o chão, aguou o pé de tomate, bateu o tapete e espirrou com a poeira. Ela fez o que pôde. Foi lavar os pratos sujos de uma semana já no fim da tarde.
Ele no emprego ansiava por voltar, mesmo quando o chefe passou e disse que ele seria demitido logo, se não criasse vergonha suficiente para vender algum produto. Foda-se, hoje é o meu dia, foi o que ele disse a si mesmo.
Quando escureceu, a boneca ainda lavava os pratos, e foi acender a luz. No instante em que apertou o botão no interruptor, outro curto aconteceu. Tudo continuou escuro.

Quando ele abriu a porta cheio de sorrisos, pôde apenas contemplar que o milagre havia sido revertido. Pegou-a nos braços chorando e soluçando, e passou a mão por sua bochecha, fazendo o som típico de borracha. Levou-a de volta à cama, deitou-se com ela e ficou contemplando seus olhos vagos e foscos.
Nunca antes fora tão feliz, e nunca antes levara um golpe tão baixo da vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

AGORA SIM O BLOG FICOU BONITO!
DJDJUI