quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Minerva

Minerva andava na chuva, de um lado da calçada, e eu andava de outro, invisível a seus olhos. Ela tinha sangue nos joelhos, sangue que perdia o tom, descendo pelas canelas finas e brancas. Eu via tudo e seguia sua sombra, cantando baixinho "Minerva, Minerva, aonde você vai?"

Minerva tinha cabelos escuros, com tons avermelhados aqui e ali, perdidos desde a ultima vez que sofreu sua metamorfose. E o cabelo ocultava seu rosto belo por onde gotas sortudas deslizavam. Guarda-chuvas passavam indo e vindo, mas nenhum se abria para ela. Não para minerva, que vinha lá de longe com a cabeça baixa, sussurando algo com sua voz delicada, com sua boca pequena e virgem de batons. Seus olhos eram negros como o universo sem as estrelas, bem me lembro. Mas naquele dia eu não os ví, nem os veria. O carro passa e a lama voa, a sujeira do mundo a ataca, avassaladora. Seria o mundo? Seria eu ali importunando aquela jovem garota, no auge da vida, e irônicamente tao sem vida.

Minerva parou, olhou suas mãos, o fio dourado entre os dedos pequenos. Eram tão belas aquelas mãos, e nunca as senti. Parei também. O que Minerva via refletido no ouro em seus dedos? O que seria? Não sei. Não sei também porque ela retirou a aiança, nem porque a jogou no chão e continuou sem olhar pra trás.

Minerva continuou andando. Eu atravessei a rua e peguei a aliança. Sem nome! Eu via suas costas sminuas, a alça de sua camiseta caindo, expondo o ombro maravilhosamente delineado. Pura, sem as manchas da vida. Ví seu pescoço nu, quando me aproximei. Ví o mundo e suas sombras quando a toquei. Era ali, eu ia ver além dos olhos de todos. Eu a protegeria mais que qualquer guarda-chuvas ali.

Minerva virou-se antes de eu a tocar, e levantou o rosto. E o ergueu mais, de olhos fechados, rumo ao céu. A maquiagem borrada, misturada às lágrimas e à chuva, escorriam até o queixo. Parecia um ritual de purificação.

Minerva voltou-se para mim, e abriu os olhos. Me fitou por algum tempo. O último olhar de algo que está para se extinguir. Disse algo indecifrável... "Minerva, Minerva, aonde você vai?"
Estávamos em cima de uma ponte. "Minerva...", e eu não ví quando ela pulou, "...Minerva...", e eu não ví quando pulei também, "...aonde você...", eu não ví a água inundando meus pulmões, "...vai..."

Ouça Minerva, do Deftones, depois de ler isso, talvez você capte o que eu captei.

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